quinta-feira, 5 de outubro de 2017

DESCE VENÂNCIO E SOBE IRENE

Leila Jalul


Leila Jalul
Ontem morreu Irene, uma figura ímpar que marcou a minha adolescência. E a fase adulta também.

Irene Dantas do Nascimento, educadora, ligada aos mistérios da aterrorizante matemática, era, antes de qualquer coisa, uma anarquista. Graças a Deus!

Nem sempre polida, como mandava a lei, às vezes era ‘aburrida’. Dizia na lata e na cara do freguês o que pensava e julgava fora de propósito. Mandava qualquer um tomar no cu, fosse preciso e inadiável.

Irene foi diferente de tudo e de todos os pamonhas de ontem e de hoje. Crítica ao extremo, num período que precisava ser dócil e calar diante dos generais. Irene era Irene. E foda-se o mundo que ela era Irene e não Raimunda. Nem precisava contar até dois. Ora, pois!

Filha de Porcina e Venâncio, com licença, não veio ao mundo para se ajoelhar diante dos poderosos e cagadores de regras.

Tê-la como amiga, confesso, foi fundamental. Não tive a mesma pujança, mas, com certeza, com ela aprendi a não dizer amém ou sim senhor, meu amo. Não com a mesma verve, claro! Afinal ela era Irene!

Irene quase foi presa por ter debaixo do braço o livro Seara Vermelha, de Jorge Amado. Foi o maior ‘rebucetê’ da e na paróquia. Partiu para cima do pobre meganha e mandou ver impropérios. Era 68, talvez, quando atuava no Gesca, o embrião do primeiro sindicato dos professores do Acre. Chamou o cabrito de ignorante por não conhecer Jorge Amado. Não foi presa. Teve o livro confiscado. Falar em vermelho, desde aquele tempo, cheirava a comunista e comedor de criancinhas. Que nem hoje, ora, pois! Os tempos regridem e as pessoas também, ora, pois, pois, pois!

Que tenhas muita paz, Irene. Com Porcina, Venâncio, Katita – tua bela irmã que se foi tão cedo e com Armando, teu caçula.

Um dia faremos uma mesa de baralho e ouviremos tua mãe a bodejar e dizer: diabos, estas raparigas não têm o que fazer?

Fica com Deus, se é que crias Nele!

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