sexta-feira, 28 de julho de 2017

MESTRE, SÃO PLÁCIDAS...

Fernando Pessoa (1888-1935)


Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

12-6-1914

REIS, Ricardo in PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p.253-254

terça-feira, 25 de julho de 2017

QUEM E O QUE SOMOS NÓS, OS HUMANOS?

Inês Lacerda Araújo 
Filosofia de todo dia


Como os filósofos concebem o homem? Hoje se recusa a usar o termo geral homem, a cultura europeia exige que se desfilem os gêneros em sua diversidade.

Tudo bem, trata-se de uma idiossincrasia de nossa época, que revela como a própria civilização ocidental pretende ser inclusiva e despida de preconceitos. Mas essa é outra história, que, aliás, esconde a enorme distância entre um novaiorquino e um habitante dos confins africanos, entre uma executiva paulista e um sertanejo, e assim por diante. Sempre são minorias poderosas ou não, que impõem suas concepções e estilos de vida, como se unicamente a sua valesse como modelo universal.

Feitas essas observações, vejamos como os filósofos, ao abstrair e generalizar com seus conceitos, conceberam o homem sem o atenuante (ou o agravante...) do “politicamente incorreto”.

A mais usada definição e uma das mais antigas, é a de Aristóteles: “animal racional”, e sua também a menos famosa, “animal político”. Aquele que tem a razão, raciocina, pensa, difere dos irracionais e mais ainda, necessita do convívio para não só viver, como para viver bem. E esse viver bem requer a prática das virtudes, que podem ser resumidas no equilíbrio, na justa medida.
Os estoicos ressaltam a vida prática, moderação nos prazeres, serenidade, refletem sobre os desejos, de como são naturais, mas com seus inconvenientes: “A quem não basta pouco, nada basta” (Epicuro).

O homem do humanismo clássico se contrapõe à concepção cristã, de criaturas com alma imortal, destinada a julgamento, marcada pelo pecado. O Renascimento põe o homem em contato com o cosmo, divinos são o cosmo e o próprio homem, cuja mente é capaz de desvendar os segredos do universo; ao invés de submissão à natureza, a compreensão da natureza.

Somos, segundo Pascal, um simples caniço, mas um caniço pensante, pensamentos estes que uma simples mosca pode perturbar. Oscilações da natureza humana, vista pelo prisma de sua finalidade, “é grande e incomparável”, mas se for comparada com os animais, baixa e vil. Mas não se deve limitar a sua baixeza e nem ignorar sua grandeza.

Em contraste, Kant eleva o homem à mais nobre e abstrata razão, uma razão pura para teorizar e uma razão prática para seguir os estritos comandos morais. O puritanismo nos amarra a imperativos éticos, e o idealismo de Kant nos ata a conceitos puros que são condições necessárias para o nosso entendimento. 

A virada da modernidade sai dos limites da razão, para o homem que trabalha, transforma e se transforma, a práxis marxista nos define como feitores de uma história de luta social e econômica, somos o “homo oeconomicus”, produtores.
Nessa virada está também Nietzsche, o iconoclasta, ateu, destruidor de todos os mitos e mistificações em torno da moral, da metafísica, da natureza humana. Não passamos disso, humanos, muito humanos em nossas valorações; aquilo que consideramos grande e nobre deve ser reavaliado. Em lugar da imposição de sistemas morais, sermos espíritos livres. Livres das religiões quando tiranizam e se impõem como necessárias, absolutas e supremas. A vontade de potência rejeita o espírito gregário, de rebanho e enaltece a criação, a vida livre, as forças vitais; contra verdades impostas, sermos nossos próprios juízes.

Problema: para Freud jamais seremos estes seres livres e criadores. Espremido entre o inconsciente e suas turbulências, e a sociedade civilizada e suas regras, o eu (Ego) e suas neuroses procuram estabilizar-se entre um e outra.

Afinal, quem e o que somos? Um pouco disso e daquilo, atribulados com nossas invenções e limitados em nossas pretensões.

domingo, 23 de julho de 2017

COISAS EFÊMERAS

Paulino de Brito (1858-1919) 


Canta, canta, canta, canta,
inocente passarinho!
Te irrompe a voz da garganta?
Palpita o amor em teu ninho!

Rescendei, brilhai formosas,
gozai, ó flores gentis!
Entregai-vos, lindas rosas,
Aos beijos dos colibris.

Mas... depressa! Porque tudo
cumpre as mesmas duras leis:
tu – bem cedo estarás mudo!
vós – morta breve estareis!

Ah! todo canto se cala,
todo perfume se exala,
e... (oh! dor!)
entre o que mais veloz corre,
entre o que mais cedo morre,
está o amor!...


BRITO, Paulino de. Cantos amazônicos. Manaus: Valer, 1998. p.72

quarta-feira, 19 de julho de 2017

ARBORICÍDIO

Álvaro Maia (1893-1969)



Esqueço o peito desvairado,
que, vendo morto o seu menino,
no cedro em flor vibra o machado
para o caixão do pequenino...

Esqueço o noivo enamorado,
que, no itaubal que o viu menino,
procura o leito de noivado,
– princípio e fim do seu destino...

O que em suor o sangue vaza,
e acorda ao sol, ao sol se deita,
si corta as vigas para a casa,
os imbaubais para a colheita...

O construtor, o marceneiro,
que faz os barcos e a mobília,
e põe as ripas ao braseiro
para o aconchego da família...

A árvore em cruz, que se transporta
em correntezas, sobre os rios,
e vai fulgir – árvore morta
nos longos mastros dos navios...

Há dor sublime no cilício
das pobres árvores feridas,
mas do tremendo sacrifício
nascem risos, brotam vidas...

Mas derrubar troncos eternos,
cheios de glória e batalhas,
apodrecê-los nos invernos,
pulverizá-los nas fornalhas,

Abrir florestas em clareiras,
deixar os pássaros sem ninhos,
o calmo rio em corredeiras,
em labirintos os caminhos,

É ser brutal, fero, demente,
e destruir, em crime duro,
pela inconstância do presente,
toda a grandeza do futuro...


MAIA, Álvaro. Buzina dos paranás. Manaus: Sergio Cardoso, 1958. p.129-130
* Imagem retirada do livro Álvaro Maia - poliantéia: - a obra - o exemplo - o homem. Manaus: Edição UBE, 1984. p.23

segunda-feira, 17 de julho de 2017

SOBRE A FAMA E A LIBERDADE EM RB JUNINO DE 2017

João Veras


Enfim, chega em Rio Branco a imensa estátua da liberdade.
Ela é verde e veio para comprar quem se dispõe a se vender.
Os teatros estão vazios. Os bares lotados.
As igrejas universais disputam fieis. As bocas, quartéis.
A fundação municipal de cultura fecha o conselho e abre edital de emprego temporário. Ela agora é agência de artista. Quem oferece menos!
A fundação estadual, coitada, ocupada com as empresas de vigilância pagas para olhar o que já foi arremedo de política de cultura e também as ruínas que restam do patrimônio cultural.
Os governadoráveis não trabalham mais.
Até a eleição do ano que vêm são santinhos.
Nos arraias juninos oficiais, a cultura popular continua pulando:
olha a cobra!
E dança, e como dança essa cultura! Anarriê!!
Os jovens são lançados ao mundo da fama do festival estudantil da canção acreana evangélica/caipira do ensino médio.
Enquanto isso, alguns artistas agradecem de joelhos ao estado por cantarem improvisados nos pátios das escolas. O cachê é miserável mas a satisfação é rica. “Todo artista tem que ir aonde o povo estar.” Justificam. Assim ocupam as suas partes nesse latifúndio do acre da esperança.
No mundo da fama anônima cabem todos.
Os acadêmicos da poesia beneditina
choram pelo retorno de suas deusas eternas
enquanto humanos são todos os dias assassinados em RB.
Mas “está tudo sob controle!”
- Graças aos santos e à liberdade verde.
Assim continuará tudo sob o controle.