terça-feira, 6 de dezembro de 2016

TRÊS POEMAS DE JOÃO VERAS

AO POETA NO DIA FINAL
João Veras

Eu sou estúpido!
Descobri isso aos poucos.
Tinha sei lá que idade.
A saudade aqui não importa.

Todos eles, mas um tipo de estúpido de cada vez.
Ao mesmo tempo não caibo.
Um daqueles estúpidos que cada um escolhe para si.
De cupido a cuspido.

Os estúpidos não são assim facilmente compreendidos.
Principalmente se respiram.
Um bom estúpido é um estúpido que não tem narinas.
As vezes sinto dor, mas, na maioria do tempo, prazer.

Como vês, ser estúpido não é tão mal assim,
tirando o incômodo de não ser aceito.
Que equívoco esse meu agora! Coisa de estúpido!
Não ser aceito não é nada mal para um do tipo.
Sou se ofereço, sou se não ofereço.
Sou se dou, sou se não.
Sou se rio, sou se choro.

Todo estúpido é um passeio pela cidade do velho com a criança e o burro.
Ambos sob o animal, um ou outro, nenhum, qualquer posição.
A estupidez não aceita unanimidade.
São os olhos doidos do burro olhando os humanos em crise.
Por isso, poeto.
Por isso rumino.

04.12.16


MUNDO CANE
João Veras

Um deles substitui o outro
que substitui o outro
que substitui o outro
que substitui o outro
(a outra também)
que substitui o outro
semelhantes.

E nós,
orai nós!,
recalcitrantes!

01.12.16


O PESAR INDÍGENA, A PELÍCULA
João Veras

Para Isaac Melo, um índiozin de Tarauacá,
Eurilinda Figueiredo Guarani Kaiowá, de Xapuri,
e Eliana Castela, de Rio Branco.


Eu assisti um tirar o jeans e se pintar.
Então se reenfeitou manso, se reexotizou bravo
e shopinizou a aldeia com créditos de liquidação transcendental.

Em fila bem educada, consumidores brancos se divertiam.
Numa mão um ingresso comestível à prova de imitação e na outra
o menu dos produtos de carbono sustentáveis e suas miçangas coloridas.

Chuveiro quente, hospitalidade da melhor e miração a três dólares a hora e meia.

De amostra grátis, uma selfie com um bebê mamando, quatro meninas de seios nus sorrindo, uns trinta guerreiros jovens mais dois pajés anciãos sentados a fumar.

O diretor filmava tudo em plano sequência.
Alucinado gritava: very beautiful, txai!
A cena enquadrava os visitantes modernos com as suas cartas baixadas na rede. Ao fundo, vitrines, umas mil.
Tudo parecia remeter à plantação no sul do velho mundo de 1500.
Tudo parecia hoje em invisível, como é.

Daí, vi a fumaça da paz queimando em câmera lenta a floresta.

Não ficou um.

E quando acordou,
esse um vestia paletó cinza com gravata vermelha,
trazia um punhado de votos no bolso da direita e uma ideia fixa na cabeça: sonhava esplêndido tal qual um candidato à descoberta do Brasil.

02.11.16

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