segunda-feira, 27 de junho de 2016

FLOR NO CHARCO

José Potyguara (1909-1991) 


– Quilômetro 14!

José Potyguara
Unindo o gesto às palavras, meu companheiro bateu com a coronha do rifle na velha placa carcomida e limosa. Com a pancada, a tábua quebrou-se. A banda inferior caiu, esfarelando-se, desfeita em paúl. Na outra, presa à ponta da estaca, ficaram os restos do 1 e do 4, numa tentativa de utilidade aos viajantes.

Saindo do embrenhado escuro da mata, a estrada ladeia, agora, grande roçado. Agrada à vista a simetria das pequenas moitas de roça nova, estendidas em fileiras paralelas que descambam na aba de lá da terra firme. Por cima daquele tapete de verdura, o milharal desfralda ao vento as farripas louras dos pendões.

– Todo esse roçadão que você está vendo, pertence ao velho João Alves – informa meu companheiro. – É velho danado de trabalhador. E as filhas?... Chi! Cada moça daquela é um homem, no cabo do machado!

Um cheiro forte de café torrado denuncia a proximidade da barraca onde pernoitaremos.

Com água pelos joelhos, atravessamos largo igarapé. É o Esperança. Na outra margem, retomamos a estrada, por entre um bananal sombrio, e saímos no terreiro.

Um cão amarelo, de olhos esgazeados, corre ao nosso encontro, ladrando fortemente. Logo, uma voz de mulher ralha, dentro da barraca:

– Cachooorro!... Passa p’ra dentro, Tubarão!

E aparece na porta a dona da casa, uma velha simpática e alegre, que nos recebe com demonstrações de mais franca hospitalidade:

– Façam favor de subir. A barraca é de pobre, mas’tá às ordens.

Perguntamos pelo marido, e ela:

– O João tá no roçado, com as meninas. Mas não tarda.

Entramos. A sala, larga e espaçosa, ocupa toda a frente da barraca. Não obstante a simplicidade rústica do ambiente, nota-se, logo, que ali mora mulher, e mulher nova. Pequenas latas, repletas de violetas, sobre o peitoril da janela, dois laçarotes de fita vermelha, arrepanhando a cortina de filó, um ramo de lindos cravos, junto ao nicho de São Francisco de Canindé, – pequenos detalhes, um nada que diz muito, denunciando a peculiar delicadeza, a inconfundível interferência de mão feminina.

Chama também a atenção a parede do fundo, completamente coberta de folhas de jornais e capas de revistas, ali coladas para tapar as frinchas da paxiúba.

Além dessa finalidade prática, nada mais recomenda tão original e caótica exposição. Com boa vontade, talvez fosse possível reconhecer uma dose ínfima de senso artístico, no colorido vistoso das gravuras.

Denunciando o grau de ignorância de quem fez aquele paciente trabalho, ali está, bem ao centro da parede, um grande reclame da Saúde da Mulher, ladeado por duas policromias: uma de Pasteur, outra de “Lampião”.

Só mesmo o ocaso, com sua acentuada ironia, poderia reunir, na ornamentação de uma sala de seringal, um filantropo e um bandido.

O grande sábio francês não deve sentir-se bem naquela promiscuidade com o famigerado rei do cangaço, nem em prestar seu testemunho à propalada eficácia do conhecido remédio das senhoras.

Enquanto esperamos o dono da casa, nos distraímos conversando com a velha,

D. Isabel é uma sertaneja ainda forte, muito expansiva e, ao contrário do comum das mulheres de pouca instrução, bastante expedita. Ataca os assuntos sem acanhamento. Parece dotada, também, de grande energia, revelada no olhar firme, no timbre de voz, na franqueza com que expende seus pontos de vista.

Mas, sobre todas essas qualidades, é extraordinariamente trabalhadora, e nessa escola soube criar as duas filhas.

Como o casal não tem filho homem, as três mulheres ajudam o velho nos mais árduos trabalhos: cortam seringa, defumam o leite, brocam roçado e capinam de enxada.

Ali, todos produzem, concorrendo para o mesmo fim. Vivem modestamente, porém felizes. No comércio de Seabra, o velho João Alves tem crédito ilimitado. Compra quanto quer e paga pontualmente, em borracha ou cereais. Todos o respeitam como cidadão honesto e trabalhador.

A velha e as duas filhas, quando vão à cidade, são bem acolhidas pelas principais famílias, em cujo seio desfrutam sincera estima.

Para puxar conversa, elogio a sólida construção da barraca, toda coberta de novo.

D. Isabel explica:

– O senhor sabe: a gente vem do Ceará, na intenção de voltar logo. Mas... isto aqui é uma ilusão. O tempo passa e não se ganha com que voltar. Depois, vêm os filhos. A gente vai se acostumando e querendo bem à terra. A barraca fica velha, é preciso levantar outra melhor, que dure mais.

Puxa uma cadeira, senta-se e continua:

– Hoje, já nem posso pensar em voltar ao meu sertão. Vontade, muita! Mas, as filhas estão moças. Daqui a pouco, casam. Não tenho coragem de me separar delas. O jeito é enterrar os ossos por aqui mesmo.

– Estão noivas as duas, não é assim? – Indaga meu companheiro.

D. Isabel não gostou da pergunta um tanto indiscreta. Visivelmente aborrecida, responde, franzindo o sobrolho:

– As duas?... Que eu saiba, está noiva a mais velha, a Chiquinha.

Antigo conhecido da família, meu companheiro bisbilhota:

– Pois, ouvi dizer que a Maria também está noiva do João Gretinha...

Foi o mesmo que tocar uma ferida com ferro em brasa. A velha remexe-se toda, o rosto transfigurado por súbita raiva, e explode:

– Que Gretinha!... Que nada! Então, eu vou criar uma filha, p’ra ela casar com um mequetrefe?... um reles soldado da polícia?... Prefiro ver o enterro dela!

Depois, mais calma:

– Esse sujeito andava aqui influído p’rô lado da Maria. Teve até o atrevimento de me falar sobre casamento. Mas, eu corri com ele de casa. Disse-lhe, na cara, que se enxergasse. Minha filha não é p’rô bico dele!

E arrematou, num muxoxo desdenhoso:

– Ahn!... Tá besta, cabra!

Vozes no terreiro.

Tubarão, que modorrava debaixo da cadeira da dona, levanta-se, rosnando, e vai espreitar à porta. Reconhecendo as pessoas que vêm chegando, abana alegremente a cauda e dispara em vertiginosa carreira.

À luz pardacenta do crepúsculo, vejo duas moças, de enxada ao ombro, e, mais atrás, um velho com enorme cacho de bananas.

As abas dos grandes chapéus de carnaúba me impedem de ver os rostos das moças. percebendo gente de fora, elas contornam a barraca e vão entrar pela porta cozinha.

O velho João Alves vem direto à sala. Entra, dá um “boa tarde” cansado, arreia a um canto o cacho de bananas e vem nos cumprimentar, limpando a mão nas calças enodoadas.

Meia hora depois, d. Isabel chama para jantar.

A sala de refeições é também cozinha. Sobre alvíssima toalha de algodão, bem ao centro da mesa, uma travessa de galinha guisada e duas outras com arroz e farofa desafiam nosso apetite.

Delicado e hospitaleiro, o velho João Alves insiste por que eu me sente à cabeceira. Obedeço. Enquanto me serve, d. Isabel pede desculpas pela simplicidade do jantar, alegando que não esperava hóspedes.

Desfaço-me em elogios, aliás bem merecidos, ao tempero da deliciosa galinha. E ela responde:

– Bondades do senhor! Mas, se gostou mesmo, coma à vontade. Eu janto depois, com as meninas, que foram ao banho.

De fato, desde que me sentei à mesa, ouço as gargalhadas cristalinas das duas moças e o escachoar da água, no poço do igarapé que corre por trás da cozinha.

O velho João Alves come em silêncio. Em compensação, d. Isabel tagarela todo o tempo. Mesmo quando se afasta da mesa, para ir ao fogão ou lavar algum prato, alteia a voz, mas não interrompe o assunto.

Quase ao fim da refeição, as moças voltam do banho.

É a velha quem apresenta:

– Esta é a Chiquinha, a noiva. Esta é a Maria, a mais moça.

Chiquinha é o tipo comum de mulher que, sem ser bonita, não é propriamente feia. Tem o viço e a graça naturais da mocidade.

A outra, porém, é um impressionante padrão de beleza, em pleno desabrochar dos quinze anos. Esbelta, de regular estatura, ainda conserva um cunho de acentuada infantilidade na delicadeza dos traços, na inocente expressão do olhar, no indisfarçável acanhamento com que nos estende a mão pequenina e bem talhada.

O rosto oval, róseo-acetinado, é de uma formosa criança. Mas a florescência da puberdade já se manifesta no contorno dos seios modelares, dando ao seu busto o acabamento de mulher feita.

Os cabelos, castanhos e ondeados, soltos obre as espáduas, estão ainda salpicados de aljôfar do banho recente.

Mal nos cumprimentaram, as duas moças sentam-se para jantar, enquanto nós voltamos para a sala da frente.

Chiquinha, mais desenvolta, reapareceu, depois, na sala, onde palestramos com os velhos até alta noite. Maria, enleada com os “moços da cidade”, preferiu ficar dentro do quarto e satisfez sua curiosidade espiando pelas frinchas da parede.

Na manhã seguinte, levanto-me cedo, para prosseguir a viagem. Desço ao terreiro e encontro Maria acocorada junto a uma grande pedra de amolar, afiando o gume de um machado.

Ao ver-me, ruboriza-se e, num gracioso gesto de pudicícia, puxa a beira da saia e cobre os joelhos.

***

Correram meses.

2.ª edição de Sapupema: contos amazônicos
Um dia, a cidade amanhece cheia de comentários sobre a grande tragédia: “João Gretinha matou a velha Isabel e raptou Maria”, – é a notícia que corre de boca e boca.

Segundo um portador vindo do quilômetro 14, o triste fato ocorrera na véspera, à tardinha, quando a velha voltava do roçado, em companhia das filhas.

Fazendo parte de uma diligência que conduzia um preso, o policial afastou-se da escolta, sob pretexto de beber água na barraca do João Alves. Aproximando-se cautelosamente, viu que não havia ninguém em casa. Mas, conhecia os hábitos da família. Sabia estarem todos no roçado. Dirigiu-se para lá. Por uma dessas coincidências que o diabo prepara, o velho João Alves estava ausente.

Encontrando apenas as mulheres, João Gretinha interpelou a velha sobre o motivo porque se opunha ao seu casamento com Maria.

Usando a franqueza e a energia que lhe eram habituais, d. Isabel respondeu:

– Seu João, já lhe disse que nem eu nem meu marido queremos tal casamento. Minha filha, além de muito nova, não é p’ra casar com soldado! Não insista! Se o senhor tivesse sentimentos, nem aparecia mais em nossa barraca!

Indignado com as palavras da velha, o perverso policial retrucou:

Pois eu vim, hoje, resolvido liquidar este assunto! A Maria há de ser minha, quer a senhora queira, quer não!

E, incontinenti, puxando a bala p’ra agulha, matou a infeliz senhora, com dois tiros de fuzil, e embrenhou-se na mata, levando a moça.

A dolorosa notícia corre célere, estarrecendo e penalizando. Todos invectivam a conduta do soldado, que não trepidara em causar o desmoronamento de um lar pobre, mas honrado e feliz.

As autoridades tomam imediatas providências. Sob o comando do próprio delegado, numerosa diligência segue para o local do crime, levando também um médico, a fim de proceder corpo de delito.

O cadáver é encontrado na mesma posição em que caíra a vítima, prostrada pelas balas. O exame pericial constata dois ferimentos, ambos mortais: um, sobre o peito esquerdo, ficando o projétil alojado no pulmão; outro, no pescoço, rasgando a carótida.

Durante vários dias, a escolta policial percorreu a mata dos seringais vizinhos, a procura do criminoso e de sua infeliz companheira.

Tudo debalde.

Encerrado o inquérito policial, coube-me, como promotor público, apresentar a denúncia, à revelia do réu.

A primeira testemunha arrolada foi o velho João Alves. Apesar de suspeito, pelo próximo parentesco com as duas vítimas, julguei indispensável ouvi-lo, como informante, sobre os antecedentes do crime e as relações do criminoso com sua família.

Depois daquela noite em que me hospedei em sua barraca, não mais o tinha visto.

Atendendo ao pregão do oficial de justiça, ele entra na sala de audiências. Quase não o reconheço. Escaveirado, a barba crescida, traz o estigma do sofrimento estampado na palidez do rosto, no sombreado das olheiras.

Feita a qualificação e lida a denúncia, o juiz começa a inquirição:

– Desde quando conhece João Gretinha?

Em voz sumida, quase inaudível, João Alves responde:

– Mais ou menos, há dois anos.

– É verdade que João Gretinha frequentava sua casa?

– Frequentou, até o dia em que minha mulher correu com ele de lá. Minha barraca fica na beira da estrada. Nunca neguei hospedagem a qualquer viajante. Ele também, quando passava por lá, descansava, às vezes dormia.

O juiz prossegue:

– É verdade que sua filha, Maria, amava João Gretinha?

A essa pergunta, o velho hesita. Baixa os olhos, emocionado. Afinal, diz:

– Seu doutor, p’ra falar verdade, nunca desconfiei nada, da parte dela. Nem eu julgava minha filha capaz de amar um monstro!

Respira com força e continua, em voz trêmula pela grande comoção:

– Mas, agora... depois do que aconteceu...

Não pode concluir. Os soluços trancam-lhe a garganta e as lágrimas rolam-lhe pela face abaixo. À sua consciência de homem de bem repugna negar uma convicção que, aos poucos, nele se firmara. Mas, ao seu coração de pai é por demais doloroso reconhecer a ingratidão que levara a filha a preferir, ao carinho da família, o funesto amor de um sicário.

***

Notícia vinculada no jornal A Reforma, 4 de maio de 1930.
Com o correr do tempo, começam a surgir vagos indícios do casal fugitivo. Ora, é um rifle desaparecido de uma barraca; ora, é um seringueiro que, voltando do trabalho, tem a decepção de não encontrar o jantar que guardara.

Ao lado da panela vazia, um pedaço de papel com um nome, garatujado em péssimo cursivo, – “João Gretinha”.

Esses boatos, enfeitados de pormenores que os comentários sempre acrescentam, vão tomando vulto e criando um ambiente de mistério em torno da vida errante do casal.

Todo roubo, qualquer objeto desaparecido das barracas, é logo atribuído a João Gretinha.

Muito tímido, a princípio, ele vai, aos poucos, se tornando mais ousado. A impunidade estimula-o. Já é visto, em pleno dia, pelas estradas, e chega à petulância de mandar recados desafiando a polícias e as autoridades.

Tal abuso não podia continuar. Além da impunidade, a afronta à Justiça e o desrespeito aos seus agentes.

Outra diligência, sob o comando de um cabo, é enviada ao encalço do réu. Após dias de cautelosas pesquisas pela mata, conseguem descobri-lo numa velha barraca abandonada. Ao contrário do que se esperava, ele não reage. Vendo-se cercado, entrega-se, com a mais vergonhosa pusilanimidade. Mas, está só. Não houve meio de confessar o esconderijo da moça.

Preso e algemado, é conduzido com máxima prudência. Durante os pernoites na mata, um soldado fica de sentinela, ao lado dele.

Na manhã do dia em que deveria chegar à cidade, Gretinha, mostrando ao sentinela os pulsos inchados pela pressão das algemas, pede-lhe, por caridade, que retire os ferros, alguns momentos, para aliviar um pouco.

Compadecido, o outro atende. Apenas se vê livre, Gretinha, de um pulo, arranca o sabre da cinta do próprio soldado, vibra-lhe tremendo golpe no ventre e desaparece na mata, em desabalada carreira.

Ouvindo gemidos, os outros soldados despertam e encontram o companheiro com forte hemorragia, já moribundo.

Essa façanha, misto de covardia, perversidade e ingratidão, propala-se de seringal em seringal, adulterada, sob um falso aspecto de coragem e audácia, emprestando à figura do reles policial uma triste celebridade de Lampião-mirim daquelas matas.

E dele não se teve notícia, durante alguns meses.

Um dia, o juiz de direito da Comarca recebe uma carta do Coronel Maia, proprietário do seringal Manixy, comunicando haver aparecido lá, pedindo trabalho, um homem acompanhado de uma jovem.

Suspeitando tratar-se de Gretinha – cuja triste fama chegara até àquele longínquo seringal, – o coronel Maia prendeu-o e conservou-o trancado, à disposição das autoridades.

Imediatamente, foi enviado um batelão com dez soldados, sob o comando de um sargento, para trazer o casal.

E quando, dias depois, volta a diligência, abala-se a pequena cidade. Várias pessoas acorrem ao porto, levadas pela curiosidade de ver o preso, e a curiosidade, talvez maior, de rever a infeliz mulher que desprezara a paz do lar paterno, o seio acolhedor daquela sociedade que tanto a estimava, sacrificara o futuro, a mocidade, a própria reputações, chafurdando sua pureza no charco de um desgraçado amor. E, para isso, suporta, durante meses, em plena floresta, uma vida de constantes perigos e sobressaltos.

Entre janelas repletas de famílias, o triste cortejo desfila pela principal rua da cidade.

Adiante, algemado, entre soldados embalados, João Gretinha encara a população, ostentando um sorriso cínico.

Mais atrás, apoiada ao braço de um oficial de justiça, a desventurada Maria, muito pálida, a cabeça baixa, o andar trôpego, ao peso do ventre avolumado pela adiantada gravidez. Além disso, terrível impaludismo vai, aos poucos, minando o seu organismo. Tem as pernas inchadas e os pés feridos pelos espinhos, nas longas caminhadas através da mata. É uma sombra da linda menina que eu conheci em casa dos pais.

Recolhida a uma casa de família, vive solitária, dentro de um quarto. Pouco fala. Limita-se a responder o que se lhe pergunta. Se alguém alude ao seu caso, ela chora e permanece muda. Não obstante os cuidados que lhe dispensam famílias caridosas, sua saúde se agrava celeremente. Tem vertigens e febre. Recusa os remédios, mal toca nos alimentos. A fraqueza se acentua, até que, certa madrugada, morre, sem pronunciar uma queixa.

Ao enterro compareceram várias famílias e pessoas amigas da infeliz Maria.

No cemitério, encontro o velho João Alves. Está pálido, barbado, a cabeça mais encanecida. Noto-o, porém, muito calmo. Assiste ao enterro com fria serenidade, um quase indiferentismo, como se aquilo fosse um ato banal, ou não fosse ele o pai da morta.

Aproximo-me para dar-lhe pêsames. E ele recebe meu abraço com a mesma calma, sem uma lágrima, e diz:

– Hoje, foi apenas o enterro. P’ra mim, ela morreu desde o dia em que fugiu de casa.

Depois, olhando a terá que os coveiros atiram sobre o caixão:

– Foi mesmo assim. P’ra que chorar? Estou satisfeito: ela morreu antes do filho nascer!

E diante da surpresa causada por suas palavras, o velho explica, cerrando os dentes, num timbre de voz que traduz todo o ódio concentrado:

– Sim. Porque, ao menos, não ficou raça daquele bandido na minha família! 


POTYGUARA, José. Sapupema: contos amazônicos. Manaus: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1978.  p.73-82

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