segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O JABUTI CHORÃO

Isac de Melo 


O jabuti reclamava
Óh! Como sou infeliz
Grandioso deus das matas
Qual o pecado que eu fiz
 Pra viver enclausurado
Como se fosse raiz

Quero moldar a cerviz
Não posso ficar de pé
Se ao menos fosse livre
Assim como o jacaré
Iria dar uma volta
Ver o mundo como é

O que o jabuti queria
Era ter mais diversão
Conhecer outros lugares
Sair daquela prisão
Que nada mais permitia
Que se arrastar pelo chão

Queria ver o Japão
Nadar pelo oceano
Ser um grande tubarão
Ou talvez um ser humano
Coisas que não poderia
Vivendo dentro de um cano

O caboclinho cigano
De repente apareceu
Disse farei teu desejo
Nosso jabuti tremeu
Falou quero ser um peixe
Eis que logo aconteceu

O jabuti percebeu
Que peixe tinha virado
Que já estava no lago
E tudo tinha mudado
Saiu dando cambalhotas
E caprichando no nado

Foi um festejo danado
Dava mergulhos subia
Afiando as nadadeiras
Sua caudinha tremia
Nunca teve em sua vida
Tanto tempo de alegria

Chegou o final do dia
Já se sentia cansado
Havia muita comida
Fartura por todo lado
Ele disse aos seus botões
Está tudo dominado

A noite tinha chegado
Mais um dia que se foi
O nosso herói jabuti
Era agora um peixe boi
E ouviu admirado
O sapo dizendo oi

De repente algo foi
Dele se aproximando
Nele vinha um vulto preto
Uma boca escancarando
Era um grande jacaré
Que estava lhe atacando

Peixe boi saiu pulando
Na beira do igarapé
Se esfregando nas raízes
Fugindo do jacaré
Num salto caiu no solo
Foi correr não tinha pé

Gritou para o Sateré
O caboclinho da mata
Quero andar mas não posso
Não sei cadê minha pata
Se eu ficar aqui parado
Esse jacaré me mata

Sateré na hora exata
Com respeito e boa fé
Disse de agora em diante
Se vire como puder
E ao devolvê-lo à água
Fez dele um tucunaré

O peixe no igarapé
Nadava como ninguém
Sentia-se o rei das águas
E era predador também
Comia tudo que via
Fosse ou não fosse do bem

Naquela noite porém
No meio do escarcéu
Viu um peixinho e pensou
Eis aqui mais um troféu
Abocanhou de repente
E fisgou num espinhel

Por conta desse troféu
A coisa desmoronou
Tucunaré debateu-se
Perdeu forças e cansou
E pra sorte do coitado
O dono do anzol chegou

Em meio a muita dor
Tucunaré foi tirado
Colocado na canoa
Para ser sacrificado
E mais uma vez foi salvo
Pelo seu gênio encantado

Sateré sem ser notado
Levou o tucunaré
Cochichou no seu ouvido
Não sei o que você quer
Eu pretendo lhe ajudar
Mas já estou perdendo a fé

Vou te falar como é
Tu serás um tubarão
É como se lá na selva
Vieste a ser um leão
Serás dono de um harém
O rei de uma multidão

Sateré pegou então
Sua vara de condão
Formou um grande arco íris
A partir da sua mão
Que guiou até o mar
O jabuti tubarão

Ali distante do chão
Nosso tubarão chegou
Encontrou com seu harém
Que logo lhe aceitou
Alguns rituais estranhos
Mas de repente acalmou

Tubarão logo notou
Que não era mais sozinho
Que agora tinha família
E seu instinto marinho
Dizia pra defendê-la
Mesmo rasgando o focinho

Atacar lobo marinho
Era sua diversão
Chegava com sua turma
No meio da multidão
Assaltava o mais fraquinho
O ferido ou ancião

Veio o X da questão
Seu primeiro desafio
Seu harém foi atacado
Sua fêmea entrou no cio
Tubarão viu que era hora
De demonstrar o seu brio

Outro tubarão vadio
O encarou frente a frente
Tubarão necessitado
De demonstrar ser valente
Tentou morder foi mordido
Recuou perdeu um dente

Aquela água corrente
Com seu sangue misturou
Conduzido pelo sangue
Outro tubarão chegou
Logo vieram bastante
E o caos se instalou

O cardume então cercou
Nosso tubarão ferido
Viria o golpe fatal
Pra quem já estava vencido
Quando outra vez Sateré
Fez o caos ser revertido

Como que abduzido
Tubarão subiu no ar
Pairou acima das águas
Como se fosse voar
Era Sateré que estava
Ali a lhe segurar

Disse a ele eu vou te dar
Mais uma chance somente
Se você não aprovar
E me chamar novamente
Sou eu quem vai te morder
E te quebrar outro dente

Você não é tão carente
Não jogue seu tempo fora
Seja feliz onde esteja
Não morra antes da hora
Bata a poeira do chão
Levanta e vamos embora

Sateré lhe disse agora
Você vai se decidir
Eu te transformo em baleia
O maior peixe daqui
Tubarão disse jamais
Prefiro ser jabuti!

Num tempo longe dali
Um jacaré boquirroto
Se arrastando lamentava
Que destino mais escroto!
Nasci pra ser jabuti
Mas queria ser um boto! 


Sebastião ISAC DE MELO é natural de Rio Branco, onde nasceu em 1953. Ingressou na carreira militar no Exército Brasileiro em 1981, estando na reserva desde 2005. Serviu como músico em batalhões do Acre, Amazonas, Roraima, Ceará e Amapá. Exerceu ainda a função de mestre na Banda de Música do 1º Batalhão B COM DIV em Santo Ângelo-RS e Banda de Música do 44º BIMTZ em Cuiabá-MT. É autor de Cordel Reflexivo (2011), A Bíblia em literatura de cordel (2012) e Urucum (2014). Possui formação em Teologia pela Faculdade de Ciências Sociais Filosofia e Teologia da Amazônia.

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