sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A FILOSOFIA E SEU PAPEL NA CULTURA OCIDENTAL

Profª. Inês Lacerda Araújo


Diógenes de Laércio relata a seguinte passagem: "Conta-se ter dito Heráclito a estranhos que o queriam visitar e espantam-se ao vê-lo aquecer-se junto ao fogão: podeis entrar, aqui também moram deuses". Já escrevi sobre esse trecho em outra postagem. Acho-o muito significativo, pois traz o filósofo e a filosofia para o cotidiano. Na modesta cozinha, junto ao fogo, preparando comida, também há deuses, há o ideal, o nobre, o que de mais sublime os homens podem almejar.

Essa união entre real e ideal tem alimentado a filosofia e nos conduz à reflexão sobre nossa essência humana, o que pensamos sobre nosso modo humano de ser.

Em tempos antigos, os filósofos projetavam como ideal a sabedoria da alma, do logos, do pensamento: "O logos, que pertence à alma, diz Heráclito, aumenta a si próprio". Quer dizer, o logos retira de si a capacidade de conhecer, de chegar à sabedoria. Sabedoria pode ser interpretada como o encontro consigo, como uma espécie de revelação, de iluminação.

Guerra e Paz é um formidável romance de Tolstói sobre a nobreza russa e a guerra contra Napoleão. O príncipe André, um dos personagens principais, defendera, antes de ir para a guerra, os ideais de força e expansão de Napoleão. Mas na batalha, ferido pelo exército francês, e em meio a cadáveres e à dor, contempla o céu. Como poderia este céu estar ali e ele tê-lo ignorado? É o logos que o leva essa revelação:

"Não há nada, nada decerto, senão o pouco de valor de tudo quanto posso compreender e a grandeza desse não sei quê que me é incompreensível, mas que nem por isso deixa de ser a única coisa importante".

Napoleão passa por ele, pede que o socorram. Mas para o príncipe André, Napolão já perdera a grandeza...

O que mudou na filosofia? Da alma platônica imortal, sede da sabedoria, cuja prisão é o corpo, até o corpo vigiado e punido, cuja prisão é a alma, como analisa Foucault na atual sociedade disciplinar -, o foco da filosofia mudou, há outros objetos de análise (a linguagem, a sociedade, a história, entre outros).

O que não mudou foi o uso do logos para chegar aos limites do poder reflexionante. Sobre o que pensar, e o que analisar, é possível expandir com o passar do tempo histórico e com as dificuldades e problemas novos. Mas há limites intransponíveis, a lógica do pensar, o que é possível pensar, as fronteiras da significação e das formas de significar.

Mistério. O incompreensível, como diz Tolstói.

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - doutora em Estudos Linguísticos, filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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